quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O intrincado quebra-cabeça da saúde do trabalhador

 O maior estudo já conduzido sobre saúde no local de trabalho está aplicando técnicas de última geração para investigar uma aparente concentração de casos de câncer

No tempo de John Shea e John Greco a cavernosa fábrica da Pratt & Whitney Aircraft era coberta por uma névoa oleosa que exalava da máquina de amolar, revestindo o teto e cobrindo os trabalhadores. Eles voltavam para casa encharcados de óleo. Fossas de remoção de gordura, cheias de solvente para limpar peças de motor, se espalhavam pelo chão da fábrica; os trabalhadores usavam latas de solvente para limpar mãos e roupas. Shea passou 34 anos amolando lâminas e pás de motor na fábrica de quase 93 mil m2 em North Haven, Connecticut, Estados Unidos. Em 1999, aos 56 anos, recebeu o diagnóstico de câncer no cérebro. Seis meses depois, seu amigo e colega de trabalho Greco descobriu que estava com a mesma doença: glioblastoma multiforme (GBM), o tipo mais agressivo de tumor cerebral. Um ano após o diagnóstico de Shea, ambos estavam mortos, mas as viúvas já se perguntavam sobre o número aparentemente incomum de casos dessa forma letal de câncer na fábrica de um dos maiores produtores de motores de jato do mundo.
O que começou em 2001 como uma investigação sobre um aparente agrupamento de casos de câncer no cérebro em North Haven – 13 casos de tumor cerebral maligno primário entre os trabalhadores, 11 deles glioblastoma, apenas na década anterior – tornou-se o maior estudo de saúde no trabalho já conduzido. Uma equipe liderada pelos pesquisadores Gary Marsh, da University of Pittsburgh, e Nurtan Esmen, da University of Illinois em Chicago (UIC), está engajada para resolver um complexo quebra-cabeça: primeiro, os pesquisadores têm de rastrear um número ainda desconhecido de casos de câncer no cérebro entre quase 250 mil funcionários de oito fábricas da Pratt & Whitney por um período de 50 anos e então determinar, se possível, o que pode ter provocado o tumor, fazendo uma reconstituição das exposições dos trabalhadores a uma miríade de agentes potencialmente tóxicos. O grupo espera publicar os resultados preliminares entre meados deste ano e o próximo.

A tarefa de Marsh e Esmen ilustra a dificuldade de estudar a epidemiologia do local de trabalho, envolvendo múltiplas exposições em várias fábricas. A capacidade dos pesquisadores de fornecer respostas concretas sobre o que aconteceu com os trabalhadores no passado também será limitada por um entendimento científico incompleto, tanto acerca dos desencadeadores de tumor cerebral quanto sobre a toxicidade de muitas substâncias químicas usadas no setor. O estudo poderia esclarecer ambos os assuntos utilizando as técnicas disponíveis mais sofisticadas. A investigação também destaca o fato de que determinar níveis seguros de exposição a substâncias tóxicas no local de trabalho permanece um desafio ainda hoje.
 

O National Institute for OccupationalSafety and Health (Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional) dos Estados Unidos estima que quase 49 mil americanos morrem de forma prematura todos os anos por doenças relacionadas ao trabalho – mais de oito vezes o número de mortes por acidentes no local de trabalho. No entanto, a maioria dos limites federais de exposição no trabalho é da década de 60. Como resultado, as diretrizes mais novas da Agência de Proteção Ambiental americana para os níveis seguros de substâncias químicas no ar fora da fábrica chegam a ser 45 mil vezes menores que os níveis regulamentares para o ar dentro da fábrica estabelecidos pelo Departamento de Saúde e Segurança Ocupacional (Osha, na sigla em inglês). Política e economia, e não limitações científicas, podem ser as maiores barreiras para a atualização da proteção à saúde desses trabalhadores. Dessa forma, a investigação da Pratt & Whitney também ilustra como a epidemiologia ocupacional poderia ser melhor se existisse vontade política para tornar a ciência moderna uma aliada.

Reunindo Evidências
Quando os maridos receberam o diagnóstico do mesmo tumor, Carol Shea e Kate Greco não sabiam nada sobre câncer no cérebro ou epidemiologia. Mas como parecia uma coincidência improvável começaram a exigir respostas da Pratt & Whitney: quantos outros trabalhadores tinham câncer no cérebro? O que pode ter provocado isso? Em agosto de 2001, uma investigação da Secretaria Estadual de Saúde Pública de Connecticut descobriu que a incidência de glioblastoma entre os trabalhadores da fábrica de North Haven nos dez anos anteriores correspondia entre 2,8 vezes e sete vezes a taxa esperada.

Àquela altura a Secretaria Estadual de Saúde pediu que a Pratt & Whitney, que se recusou a fazer comentários para este artigo, contratasse um epidemiologista independente para investigar o fato mais a fundo. A empresa procurou Marsh, bioestatístico da Graduate School of Public Health da University of Pittsburgh. Marsh é especialista em pesquisas de saúde em locais de trabalho “bagunçados e atolados de serviço”, com dezenas de milhares de trabalhadores e vários locais de trabalho. Ele imediatamente entrou em contato com Esmen, especialista em avaliar e reconstituir exposições no local de trabalho, com quem colabora com freqüência.
BETTMANN/CORBIS
TRABALHADORES na fábrica de East Hartford da Pratt & Whitney Aircraft montando um motor de jato desenvolvido para o Boeing 727, testado em julho de 1961. A fábrica é uma das oito em Connecticut incluídas em uma investigação sobre casos de câncer cerebral entre os funcionários da empresa
A dupla inicialmente enfocou a fábrica de North Haven, fechada em 2002. Mas quando descobriu que a empresa fazia trabalhos semelhantes em outras fábricas em Connecticut, decidiu avaliar todas as oito unidades. Assim, um estudo inicialmente projetado para abordar cerca de 100 mil empregados cresceu para uma investigação de sete anos, US$ 12 milhões e quase 250 mil trabalhadores no período de 1952 a 2001.

O projeto maior tem duas vantagens científicas, considera Marsh: maior poder estatístico, o que reduz a chance de resultados falso-negativos e aumenta a probabilidade de detectar padrões sutis; além de melhor comparação entre as práticas internas de trabalho, exposições e conseqüências para a saúde. A epidemiologia ocupacional muitas vezes sofre com o chamado “efeito trabalhador sadio” – comparar de forma enganosa as taxas de doenças em um grupo de trabalhadores com as da população em geral, que inclui pessoas que estão doentes demais para trabalhar.

Mas o tamanho avantajado do estudo também representa um dos maiores desafios para os pesquisadores. Trabalhando sob a supervisão da gerente de projetos Jeanine Buchanich, funcionários da University of Pittsburgh passaram um ano na Pratt & Whitney analisando meio milhão de páginas de registros de pessoal e as resumindo em uma base de dados de informações de status vital dos funcionários. Em seguida, Buchanich começou a rastrear os cerca de 266 mil nomes – coletivamente conhecidos como a coorte – em bases de dados nacionais para saber quais empregados haviam morrido e de quais causas. Um programador de computadores desenvolveu um protocolo para produzir amostras dos nomes de listas de membros de sindicatos, que Buchanich comparou com a coorte para checar se faltava alguém. Ela também teve de corrigir entradas da base de dados cujas datas não faziam sentido: “O arquivo da coorte estava fantasticamente limpo”, diz Buchanich – com uma taxa de erro de menos que 0,1% – “mas ainda assim eram algumas centenas de erros que tive de encontrar e resolver”. Após eliminá-los e aprimorar ainda mais a base de dados, a coorte agora inclui cerca de 224 mil empregados.
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 Fonte: Scientific American Brasil - www2.uol.com.br/sciam/

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